CRÍTICA: THE WIFE

06/09/2019

The Wife e o toque de Midas das mulheres na vida ao redor

Ficha Técnica:

A Esposa (The Wife)                                                     Ano: 2017(EUA) - 2019 (Brasil)              

Duração: 1h41min                                                         Gênero:  Adaptação, Drama     

Roteiro: Jane Anderson & Meg Wolitzer (Escritora do Livro "The Wife")

Diretor: Bjorn Runge                                 Elenco: Glenn Close, Jonathan Pryce, Max Irons

Sinopse:

Joan (Glenn Close) é casada com Joe Castleman ( Jonathan Pryce) há anos. Seu marido é considerado um dos escritores mais renomados do SÉC. XX. Quando recebem a notícia de que ele vai ganhar o prêmio Nobel de Literatura, Joan começa a questionar uma série de decisões de seu passado que a levou a estar onde está.

INDICADO A OSCAR DE MELHOR ATRIZ: Glenn Close - Outras 20 Indicações e 13 Prêmios

Connecticut, 1993. Casa grande. Um casamento de anos. Um homem considerado um dos mais brilhantes escritores do SÉC. XX. Sua mulher, deitada na cama, dormindo. Ele, acordado. Idade já avançada aos dois. Assim começa A Esposa, obra prima da adaptação do livro de Meg Wolitzer, com o mesmo nome. 

A primeira cena nos mostra ansiedade de Joe Castleman, escritor renomado, com a resposta de algo. Joan, sua esposa e companheira há anos, tenta acalmá-lo. Segue-se então uma cena com uma espécie de "carinho fragmentado" por parte de Joe e ela, se esquivando. A partir do dia seguinte, com uma ligação, a trama de Joan se desenrola.

Quando seu marido recebe a notícia de que é o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, é em Joan, sua esposa, que a câmera decide focar. Quando o homem através do telefone parabeniza e discursa sobre as maravilhas que são as obras de Joe, é em Joan que a câmera foca. Em sua expressão contida. E assim segue-se na narrativa do filme, quando parabenizam Joe, quando o mesmo discursa e dá crédito a mulher, quando o filho, também escritor, procura por aprovação do pai, é em Joan que a câmera foca. 

E assim o telespectador entende quem é a dona do filme. Glenn Close atua com maestria uma esposa reservada, mãe de dois filhos e companheira do marido, endurecida pelo tempo e suas próprias ações, mas nunca submissa ou fútil. Glenn é a personificação de uma mulher que está sempre lá para tudo que o marido precisar, situações pequenas vem aos olhos do telespectador como um incômodo; dar remédios, limpar a barba, segurar o casaco, sorrir e se apresentar. 

Percebe-se então, com uma subjetividade, algo estranho em como Joe é considerado tão grandioso escritor e é tão prosaico quanto aos livros, mas tão "peito estufado" quanto ao mérito de melhor escritor e como Joan, sua esposa, reage as aparições que se sucedem;

A aeromoça fã do autor que oferece biscoitos a ele, o insistente escritor e jornalista Nathaniel Bone (Christian Slater) que quer escrever uma biografia não autorizada de Joe, a fotógrafa pessoal dele e todo o resto de tratamento que o marido recebe desde a feliz notícia do Prêmio Nobel. Algo está errado.

A maestria do filme se dá, além da brilhante e silenciosa atuação de Glenn Close, com os olhares, a respiração acometida por certa afobação, a euforia e os falsos sorrisos, pelo roteiro. O roteiro do filme nos dá, desde o início, nas entrelinhas, a verdade sobre a história daquele casamento. Um casamento que perdura anos não necessariamente é um casamento feliz. Aos olhos do filho de Joan, é um casamento falido. 

O roteiro diz, por entrelinhas, o que Joan está tentando esconder com o marido há anos. E lá está o algo errado. Na junção de flashbacks, entendemos de onde Joan veio e que como age com o marido é um reflexo de como agia anteriormente ou de algo que ele provavelmente nunca teve com a outra mulher.

Para agregar ainda mais, Jonathan Pryce faz um Joe Castleman como ele seria se existisse aos olhos do mundo; narcisista, egoísta, extremamente descuidado e um sedutor irrefreável. Impossível não odiá-lo, ao mesmo tempo gostar dele como Joan gosta e tem certo cuidado. Ou talvez é uma certa pena.

Seu pecado como marido está nos detalhes, nas falas egoístas sobre a função da mulher. Joe sempre tenta satisfazer sua mulher com agradecimentos superficiais, talvez para tentar quitar sua dívida com ela por tantas traições e todo seu trabalho duro. Mas ele nunca diz com as palavras, óbvias e claras, qual a verdade sobre Joan e a influência dela na carreira dele e onde está hoje. Ele é um mentiroso compulsivo, cheio de ego, querendo que as coisas sejam como ele acha que vai ser bom, quando na verdade se descobre que ele não é tão bom assim.

A perspicácia do roteiro está em cenas como as nozes de Joe, a falta de cuidado dele com sua saúde, as falas dele sobre a mulher e a frase que sempre usa sobre a neve que cai do lado de fora. Quase que uma prolepse do que vai acontecer no final.

Como ponto de partida pra uma reviravolta, a curiosidade de Nathaniel Bone (usado praticamente o filme todo como um instigante do plot twist) sobre Joan e a revolta do filho com o pai, faz Joan entrar em um surto epifânico de realidade, onde ela percebe que suas ações a levaram ser infeliz, a perder as chances, desperdiçar seu talento, para que fosse o plano de fundo de um homem. Vê-la surtar é o ponto alto do filme, que arranca lágrimas quando você nota quem é A Esposa e quem é Joan Castleman.

Joe diz em diversas cenas de flashbacks que a esposa tem o Toque de Midas. Na lenda, tudo que Midas tocava, se tornava ouro. Assim era Joan; ela era ouro, sua personalidade era interessante, seu talento era descomunal. A família era de ouro, os filhos, o neto que chega. Os personagens que criou. A mulher que ela era tinha o Toque de Midas.

É assim que muitas mulheres soam para muitos homens, como aquelas que agregam algum valor, mas que não são de valor. Surge então, um Joe sozinho, inútil e vitimista, que precisa de uma Joan não pelo que ela é, mas pelo que tem a oferecer.

As coisas que falam sobre escritores é bem verdade. Em uma cena, quando Joe dava aulas, Joe explica que o escritor não escreve porque tem ideias para contar, mas sim porque tem uma dor que não para e precisa falar sobre o que sente. E o escritor nunca para de escrever, porque se alimenta disso.  Como alguém que escreve, me senti tocada diversas cenas pelo poder que as palavras entre o casal tinha, além do carinho que Joan tinha por aquilo que verdadeiramente, era mérito dela.

A Esposa não é um filme sobre empoderamento, mas talvez seja. A força do filme está na sua subjetividade e em como a verdade está nas entrelinhas. Está na personalidade de Joan, uma mulher que carregou a família e o marido nas costas por anos, não submissa, mas com tamanha força que nem ela sabia que poderia aguentar. As cenas finais podem arrancar lágrimas.

"E você? Tem algo que gosta de fazer? Uma função? Um passatempo?"

"Sim. Eu tenho."

"O que é?"

"Eu crio Reis."

Não é um filme de empoderamento, mas talvez seja. Pela reviravolta que Joan traz pra vida dela e o choque de realidade em uma idade tão madura. Nunca é tarde pra mudar, pra ser você mesma e ir embora. 

Joan, como muitas mulheres, dá uma guinada em sua vida quando percebe que ninguém comanda seu toque de Midas e ela transforma em ouro o que ela quiser. E o ouro é dela.

NOTA: 9,0/10

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